CRÔNICA
Crônica da principal notícia da semana
JUSTA HOMENAGEM
O Elogio do Bilhão: Quando o Pão se Torna Ouro
Em um salão de luzes cintilantes e elegância refinada, lá estava ele, o presidente do Brasil, ladeado por bilionários e figuras influentes, todos dispostos a ouvir sua história. Não era uma daquelas narrativas cercadas de números e tecnicalidades, mas uma crônica de esperança, escrita com o suor e a resiliência de um povo que se recusa a ver a fome como um destino inevitável.
Naquela noite em Nova York, Lula não foi apenas um homem que cruzou o Atlântico para receber um prêmio. Ele era o representante de milhões de brasileiros que, dia após dia, estendem as mãos em busca de um pouco mais que o mínimo necessário para sobreviver. E, de repente, sob o olhar atento de Bill Gates, um homem que construiu impérios com zeros e uns, a realidade crua da desigualdade ganhou um novo brilho, como se o combate à fome fosse o maior empreendimento humano, digno de um lugar na bolsa de valores da dignidade.
O prêmio da Fundação Bill e Melinda Gates, reluzente em sua grandiosidade, parecia pequeno diante da vastidão do problema que tentava abarcar. Porque a fome, essa antiga e persistente inimiga, não se resolve com discursos ou comendas. Ela exige mais: exige políticas públicas que transformem um prato vazio em uma oportunidade. E ali, entre aplausos e sorrisos protocolares, o Bolsa Família foi citado como a carta na manga que, mais do que aliviar a miséria, ousa imaginar um futuro onde ela não exista.
A ironia, no entanto, estava no contraste. Lula, o ex-operário que desafiou as engrenagens de um sistema excludente, agora era homenageado pelo próprio criador do império da tecnologia. O homem que levou computadores ao mundo, reconhecia o valor de quem levava comida à mesa. O bilionário e o ex-sindicalista, unidos por um propósito comum, cada um à sua maneira, tentando fazer do mundo um lugar onde a fome seja apenas uma palavra do passado.
Mas o prêmio, por mais que simbolize um reconhecimento, não apaga as incertezas do presente. Os mesmos que aplaudem, muitas vezes, são os que se beneficiam da desigualdade que combatem. O evento de gala, entre uma taça de vinho e outra, se assemelha a uma cena de um filme onde a realidade, às vezes, se esconde por trás do glamour. E enquanto discursos são feitos em inglês impecável, uma multidão em lugares remotos ainda luta para entender o que é dignidade em uma língua que eles nem sequer conhecem.
Lula retorna ao Brasil com um prêmio em mãos e um desafio ainda maior: fazer com que a fome não seja aplaudida de pé em salões luxuosos, mas expulsa de vez das favelas e dos rincões. Que o Bolsa Família continue a ser uma ponte e não um aplauso de passagem. Que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza seja mais do que uma medalha, mas um compromisso permanente, porque a fome não espera o próximo jantar de gala.
E assim, entre prêmios e promessas, fica o lembrete: a verdadeira homenagem ao combate à fome e à pobreza não se faz em tapetes vermelhos, mas nos campos onde se planta, nas cozinhas onde se prepara, e nas mesas onde, enfim, se serve. Que o pão seja sempre mais importante que o ouro.
Por Antonio Glauber Santana Ferreira — Japaratuba-SE