ENTREVISTA

Entrevista com o Professor e Cordelista Agnaldo Silva

O Professor Agnaldo Silva usa o Cordel em sala de aula fortalecendo a interdisciplinaridade , o processo de aprendizagem e desperta o interesse pela leitura.

Entrevista com o Professor e Cordelista Agnaldo Silva
Publicado em 08/08/2024 às 7:46
  1. Professor Agnaldo, como nasceu sua paixão pelo cordel?

O encanto pela Literatura de Cordel aconteceu quando eu era criança e lia sobre a Vida de Pedro Cem, a história do Boi Misterioso, a Intriga do Cachorro com o Gato, as aventuras do Comprador de Intrigas, entre outros. Esses livretos eram comprados nas feiras livres pelo meu saudoso padastro Manezinho do Sangrador. A partir daí ficou mais fácil se apaixonar por esse espetáculo da poesia.

  1. Quais foram as suas principais influências na literatura de cordel?

Do ponto de vista dos primeiros contatos, posso dizer que foi a experiência de folhear a coleção do meu padastro, e além disso, na década de 90, quando cursava o Ensino Médio/pedagógico (Projeto Somem) durante as aulas de História, a professora Rosa (História) que propôs uma pesquisa sobre a feira livre em Pirambu e o nosso grupo decidiu contar essa História em forma de cordel. Daí nasceu minha primeira obra, A Feira de Pirambu.
Do ponto de vista dos mestres do cordel, posso destacar as leituras das obras de João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros. Na cena sergipana, faço referência a Pedro Amaro do Nascimento, Izabel Nascimento, João Firmino Cabral, Zé Antônio, Chiquinho do Além Mar, entre outros.

  1. Como você descreve o impacto do cordel na cultura nordestina?

A poesia de cordel é uma referência escrita essencial na projeção do Nordeste brasileiro. Por meio dela divulgamos nossos amores, dores e cores.

  1. Pode compartilhar uma lembrança especial ou uma história marcante relacionada ao cordel?

A intrigante História de Pedro Cem (livreto de João Martins de Atayde) que conta a História do homem mais rico de Portugal, que morreu pedindo esmola. Um alerta para que possamos entender que o egoísmo e a soberba não cabem nas relações humanas.
A chegada de Lampião no Inferno também é uma narrativa que nos faz refletir sobre a trajetória do Cangaço no Nordeste brasileiro.

  1. Como você vê a evolução do cordel ao longo dos anos?

Tradicionalmente falando a estrutura do cordel é extremamente rígida composta por rimas, métrica e oração (enredo). Para os mestres conservadores se fugirmos dessa regra não é cordel. Sendo assim, a estrutura de muitas obras na atualidade não comungam com a tradição. Outro detalhe é o formato dos livretos, antes produzidos a partir da técnica da xilogravura, atualmente adaptada com o uso do computador. Além disso, as feiras livres, palco dos declamadores deu lugar as redes sociais.
Apesar disso, vejo que o cordel tem resistido ao tempo, adaptando-se às novas tecnologia, mas sem perder a originalidade e a capacidade de falar para o povo sobre a vida desse povo.

  1. Quais são os desafios que os cordelistas enfrentam atualmente?

Falta de reconhecimento da arte por parte do poder público;
Carência de editais, concurso para estimular a poesia de cordel entre os jovens;
Preconceito por parte de algumas academias de letras.

  1. O que você acredita ser necessário para manter viva a tradição do cordel nas próximas gerações?

Sendo o cordel um patrimônio cultural imaterial do Brasil, defendo que este seja inserido nos currículos escolares para que os jovens conheçam, usem e fortaleçam a aprendizagem, o que é mais importante. Que se crie a cultura dos saraus, concursos de poesias e declamações. Tudo isso é economicamente viável e promove o protagonismo da nossa arte.

  1. Existem projetos ou iniciativas que você está envolvido atualmente para promover o cordel?

Faço parte da Academia Sergipana de Cordel ocupando a cadeira de n° 37. Entrei na ASC defendendo a bandeira do cordel na educação.
Nos últimos dez anos tenho inserido a poesia de cordel nos planos de curso e nas minhas aulas, ato que resultou na produção de algumas dezenas de obras, a exemplo da Reforma Protestante, Egalité, Liberté e Fraternité, A Matemática em Cordel, Islamismo, Primeiro Reinado no Brasil, entre tantas outras.

  1. Como o cordel pode ser utilizado como ferramenta educacional nas escolas?

Primeiro a poesia de cordel precisa ser inserida nos planos de cursos. A partir daí pode ser construído um projeto multidisciplinar para ser socializado com toda comunidade escolar.
A partir das inserção do cordel nas aulas, podem nascer um sarau, um momento poético, um programa de rádio, uma cantoria, entre outras exibições. Naturalmente que tudo isso estimula a produção textual, a argumentação, a leitura, a socialização e fortalece as relações interpessoais.

  1. Que conselho você daria para jovens escritores que desejam começar a escrever cordel?

Que ouse escrever o primeiro verso.
Um lápis, uma borracha, ou um computador, um celular (rsrs) uma história na cabeça e um pouco de paciência, se misturar tudo, nasce um (a) cordelista.

11. Qual é a importância do cordel na preservação da cultura e história do Nordeste brasileiro, e como ele pode ser utilizado para enriquecer o currículo escolar?

A poesia de cordel é sem dúvida uma fonte histórica sem precedentes. Por meio do cordel, os mestres contam a nossa História, falam de nossas belezas naturais, das relações sociais, da política, da economia, enfim, de absolutamente tudo. O cordel também é um forma de ecoar as dores do povo nordestino.
O uso da literatura de cordel na sala de aula é absolutamente saudável do ponto de vista acadêmico. É uma ferramenta que deve ser fortalecida e incluída nos planos de ensino. Pode ser o norte de um projeto pedagógico. Só carece de um bom planejamento. A partir do cordel o professor(a) pode incluir outras expressões artísticas como a música, o desenho e o teatro por exemplo. Apoio qualquer iniciativa dessa natureza.

12. Quais são os principais benefícios pedagógicos que os alunos podem obter ao aprenderem e criarem literatura de cordel na sala de aula?

Primeiro é o fato do aluno ingressar no mundo da leitura com foco no regionalismo, no modo de vida do nordestino. Isso desperta o sentimento de pertencimento e bairrismo. Além disso, a socialização, a comunicação, a concentração, a reflexão, a pesquisa, a produção textual, a arte em geral são habilidades a serem adquiridas/aperfeiçoadas com o uso do cordel.

13. Pode compartilhar algumas estratégias ou metodologias que utiliza para introduzir o cordel de forma envolvente e eficaz para alunos de diferentes idades?

Passo 1 – apresentação da linguagem do cordel aos alunos por meio de varal de cordéis, roda de conversa, sarau, declamações e leituras dos folhetos.

Passo 2 – oficina de cordel (orientações sobre como construir a poesia de cordel).

Passo 3 – escolha de um tema individual ou por grupo de trabalho (a depender da dinâmica dos objetos de conhecimento, o professor pode indicar os temas ou subtemas a serem trabalhados).

Passo 4 – rascunho dos primeiros versos (aluno em ação sob a orientação do professor ou poeta convidado).

Passo 5 – (opcional) confecção da capa com a técnica da isogravura uma espécie de xilogravura, só que usando isopor, organização das estrofes, dedicatórias e outros.

Passo 6 – realização de exposição com declamações e cantorias.

  1. Quais são os desafios mais comuns que você encontra ao utilizar o cordel em atividades pedagógicas e como você os supera?

Há um tempo atrás poderia dizer que seria a apresentação da poesia de cordel para os alunos (falta de interesse). Atualmente o maior desafio são alunos monossilábicos, ou que não lêem, literalmente. No mais é tranquilo, temos produzido bastante material ao longo dos últimos anos.
A saída encontrada para o desafio citado foi trabalhar com música (repente, vaquejada, rap, baião).
Pensei, quem não lê, ouve e canta. Logo, a leitura se concretiza.
No mais, busco agregar as mídias, a exemplo do rádio para incrementar as atividades envolvendo a literatura de cordel.

  1. Poderia dar exemplos de projetos ou atividades práticas que você desenvolveu com seus alunos envolvendo o cordel e quais foram os resultados obtidos?

Projeto Cordel – blog criado em 2008, que serve como arquivo digital de uma série de produções em literatura de cordel, a maioria com a participação direta dos alunos de várias escolas de Sergipe.

https://agnaldosilvaoze.blogspot.com

Programas de rádios – com roteiros especiais envolvendo a poesia de cordel.
Oficinas de literatura de cordel na sala de aula.
Participação na Cienart – feira científica de Sergipe.
Participação no Culturarte – Feira de Cultura e Arte de Pirambu.
Entendemos que os alunos participantes desses eventos tiveram a oportunidade de melhorar significativamente a aprendizagem dos conteúdos dispostos em cada vivência. Apesar das dificuldades, podemos afirmar que as mudanças de comportamento, a disciplina, a evolução da leitura e da comunicação em público, foram só ganhos ao usarmos esse tipo de ferramenta pedagógica.
Na verdade não há uma receita pronta, tudo depende das condições de trabalho e do público que encontramos a cada ano letivo.

Agnaldo Silva é professor na Rede Municipal de Pirambu-SE . Ministra aula de História na Escola Municipal Mário Trindade Cruz.