ENTREVISTA
Entrevista com o Professor e Cordelista Agnaldo Silva
O Professor Agnaldo Silva usa o Cordel em sala de aula fortalecendo a interdisciplinaridade , o processo de aprendizagem e desperta o interesse pela leitura.
- Professor Agnaldo, como nasceu sua paixão pelo cordel?
O encanto pela Literatura de Cordel aconteceu quando eu era criança e lia sobre a Vida de Pedro Cem, a história do Boi Misterioso, a Intriga do Cachorro com o Gato, as aventuras do Comprador de Intrigas, entre outros. Esses livretos eram comprados nas feiras livres pelo meu saudoso padastro Manezinho do Sangrador. A partir daí ficou mais fácil se apaixonar por esse espetáculo da poesia.
- Quais foram as suas principais influências na literatura de cordel?
Do ponto de vista dos primeiros contatos, posso dizer que foi a experiência de folhear a coleção do meu padastro, e além disso, na década de 90, quando cursava o Ensino Médio/pedagógico (Projeto Somem) durante as aulas de História, a professora Rosa (História) que propôs uma pesquisa sobre a feira livre em Pirambu e o nosso grupo decidiu contar essa História em forma de cordel. Daí nasceu minha primeira obra, A Feira de Pirambu.
Do ponto de vista dos mestres do cordel, posso destacar as leituras das obras de João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros. Na cena sergipana, faço referência a Pedro Amaro do Nascimento, Izabel Nascimento, João Firmino Cabral, Zé Antônio, Chiquinho do Além Mar, entre outros.
- Como você descreve o impacto do cordel na cultura nordestina?
A poesia de cordel é uma referência escrita essencial na projeção do Nordeste brasileiro. Por meio dela divulgamos nossos amores, dores e cores.
- Pode compartilhar uma lembrança especial ou uma história marcante relacionada ao cordel?
A intrigante História de Pedro Cem (livreto de João Martins de Atayde) que conta a História do homem mais rico de Portugal, que morreu pedindo esmola. Um alerta para que possamos entender que o egoísmo e a soberba não cabem nas relações humanas.
A chegada de Lampião no Inferno também é uma narrativa que nos faz refletir sobre a trajetória do Cangaço no Nordeste brasileiro.
- Como você vê a evolução do cordel ao longo dos anos?
Tradicionalmente falando a estrutura do cordel é extremamente rígida composta por rimas, métrica e oração (enredo). Para os mestres conservadores se fugirmos dessa regra não é cordel. Sendo assim, a estrutura de muitas obras na atualidade não comungam com a tradição. Outro detalhe é o formato dos livretos, antes produzidos a partir da técnica da xilogravura, atualmente adaptada com o uso do computador. Além disso, as feiras livres, palco dos declamadores deu lugar as redes sociais.
Apesar disso, vejo que o cordel tem resistido ao tempo, adaptando-se às novas tecnologia, mas sem perder a originalidade e a capacidade de falar para o povo sobre a vida desse povo.
- Quais são os desafios que os cordelistas enfrentam atualmente?
Falta de reconhecimento da arte por parte do poder público;
Carência de editais, concurso para estimular a poesia de cordel entre os jovens;
Preconceito por parte de algumas academias de letras.
- O que você acredita ser necessário para manter viva a tradição do cordel nas próximas gerações?
Sendo o cordel um patrimônio cultural imaterial do Brasil, defendo que este seja inserido nos currículos escolares para que os jovens conheçam, usem e fortaleçam a aprendizagem, o que é mais importante. Que se crie a cultura dos saraus, concursos de poesias e declamações. Tudo isso é economicamente viável e promove o protagonismo da nossa arte.
- Existem projetos ou iniciativas que você está envolvido atualmente para promover o cordel?
Faço parte da Academia Sergipana de Cordel ocupando a cadeira de n° 37. Entrei na ASC defendendo a bandeira do cordel na educação.
Nos últimos dez anos tenho inserido a poesia de cordel nos planos de curso e nas minhas aulas, ato que resultou na produção de algumas dezenas de obras, a exemplo da Reforma Protestante, Egalité, Liberté e Fraternité, A Matemática em Cordel, Islamismo, Primeiro Reinado no Brasil, entre tantas outras.
- Como o cordel pode ser utilizado como ferramenta educacional nas escolas?
Primeiro a poesia de cordel precisa ser inserida nos planos de cursos. A partir daí pode ser construído um projeto multidisciplinar para ser socializado com toda comunidade escolar.
A partir das inserção do cordel nas aulas, podem nascer um sarau, um momento poético, um programa de rádio, uma cantoria, entre outras exibições. Naturalmente que tudo isso estimula a produção textual, a argumentação, a leitura, a socialização e fortalece as relações interpessoais.
- Que conselho você daria para jovens escritores que desejam começar a escrever cordel?
Que ouse escrever o primeiro verso.
Um lápis, uma borracha, ou um computador, um celular (rsrs) uma história na cabeça e um pouco de paciência, se misturar tudo, nasce um (a) cordelista.
11. Qual é a importância do cordel na preservação da cultura e história do Nordeste brasileiro, e como ele pode ser utilizado para enriquecer o currículo escolar?
A poesia de cordel é sem dúvida uma fonte histórica sem precedentes. Por meio do cordel, os mestres contam a nossa História, falam de nossas belezas naturais, das relações sociais, da política, da economia, enfim, de absolutamente tudo. O cordel também é um forma de ecoar as dores do povo nordestino.
O uso da literatura de cordel na sala de aula é absolutamente saudável do ponto de vista acadêmico. É uma ferramenta que deve ser fortalecida e incluída nos planos de ensino. Pode ser o norte de um projeto pedagógico. Só carece de um bom planejamento. A partir do cordel o professor(a) pode incluir outras expressões artísticas como a música, o desenho e o teatro por exemplo. Apoio qualquer iniciativa dessa natureza.
12. Quais são os principais benefícios pedagógicos que os alunos podem obter ao aprenderem e criarem literatura de cordel na sala de aula?
Primeiro é o fato do aluno ingressar no mundo da leitura com foco no regionalismo, no modo de vida do nordestino. Isso desperta o sentimento de pertencimento e bairrismo. Além disso, a socialização, a comunicação, a concentração, a reflexão, a pesquisa, a produção textual, a arte em geral são habilidades a serem adquiridas/aperfeiçoadas com o uso do cordel.
13. Pode compartilhar algumas estratégias ou metodologias que utiliza para introduzir o cordel de forma envolvente e eficaz para alunos de diferentes idades?
Passo 1 – apresentação da linguagem do cordel aos alunos por meio de varal de cordéis, roda de conversa, sarau, declamações e leituras dos folhetos.
Passo 2 – oficina de cordel (orientações sobre como construir a poesia de cordel).
Passo 3 – escolha de um tema individual ou por grupo de trabalho (a depender da dinâmica dos objetos de conhecimento, o professor pode indicar os temas ou subtemas a serem trabalhados).
Passo 4 – rascunho dos primeiros versos (aluno em ação sob a orientação do professor ou poeta convidado).
Passo 5 – (opcional) confecção da capa com a técnica da isogravura uma espécie de xilogravura, só que usando isopor, organização das estrofes, dedicatórias e outros.
Passo 6 – realização de exposição com declamações e cantorias.
- Quais são os desafios mais comuns que você encontra ao utilizar o cordel em atividades pedagógicas e como você os supera?
Há um tempo atrás poderia dizer que seria a apresentação da poesia de cordel para os alunos (falta de interesse). Atualmente o maior desafio são alunos monossilábicos, ou que não lêem, literalmente. No mais é tranquilo, temos produzido bastante material ao longo dos últimos anos.
A saída encontrada para o desafio citado foi trabalhar com música (repente, vaquejada, rap, baião).
Pensei, quem não lê, ouve e canta. Logo, a leitura se concretiza.
No mais, busco agregar as mídias, a exemplo do rádio para incrementar as atividades envolvendo a literatura de cordel.
- Poderia dar exemplos de projetos ou atividades práticas que você desenvolveu com seus alunos envolvendo o cordel e quais foram os resultados obtidos?
Projeto Cordel – blog criado em 2008, que serve como arquivo digital de uma série de produções em literatura de cordel, a maioria com a participação direta dos alunos de várias escolas de Sergipe.
https://agnaldosilvaoze.blogspot.com
Programas de rádios – com roteiros especiais envolvendo a poesia de cordel.
Oficinas de literatura de cordel na sala de aula.
Participação na Cienart – feira científica de Sergipe.
Participação no Culturarte – Feira de Cultura e Arte de Pirambu.
Entendemos que os alunos participantes desses eventos tiveram a oportunidade de melhorar significativamente a aprendizagem dos conteúdos dispostos em cada vivência. Apesar das dificuldades, podemos afirmar que as mudanças de comportamento, a disciplina, a evolução da leitura e da comunicação em público, foram só ganhos ao usarmos esse tipo de ferramenta pedagógica.
Na verdade não há uma receita pronta, tudo depende das condições de trabalho e do público que encontramos a cada ano letivo.
Agnaldo Silva é professor na Rede Municipal de Pirambu-SE . Ministra aula de História na Escola Municipal Mário Trindade Cruz.